Ou Isto ou Aquilo

Ver a sebenta de criação
José Caldas    Lena d’Água   Tahina Rahary
Recital de Poesia e Música   Cecília Meireles e Luís Pedro Fonseca
“(...) Sei que canto. E a canção é tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.”

(Cecília Meireles in Viagem)

Uma revisitação

Voltar mais uma vez às últimas poesias de Cecília Meireles, este testamento de transfiguração do banal quotidiano, é para mim um mergulho e uma oblação purificadora. Poeta de voz única e sensível ao transcendente e o terreno, ao estranho e o vulgar, ao humano e o inumano e a angustia individual e a ânsia colectiva.


Esta revisitação nasce de um reencontro com a Lena d’Água, no Museu do Teatro, em 2015, Lisboa. Ela dizia: “voltemos aquele momento em que fomos felizes, digamos e cantemos mais uma vez aquelas palavras encantadas. “ Desejo que compartilho com afecto e alegria.


Este recital tem raízes em 1979, primeira montagem destas poesias, raízes que cresceram e fazem brotar agora “a flor que a menina sonha, está no sonho ou na fronha? Sonho risonho na fronha de linho, na fronha e linho a flor sem espinho”. Esta escrita, vaga música, que nos acalenta e questiona. Da sua estreia indagavam público e críticos teatrais: “para crianças... para adultos”?, pois ambíguo acto teatral, ambígua linguagem: “vida de Olívia
levada por um vilão violento, violeta violada pela viola do vento.” Ambiguidade esta irmã da minha poética teatral, uma acção que procura um público alargado: crianças, jovens e adultos como na nossa dramaturgia de raiz popular: as Bugiadas do Valongo ou o Bumba meu Boi do Nordeste Brasileiro, um teatro tradicional e comunitário, “avant la lettre”, que irmana todos os públicos.


A encenação desenha esta ambivalência com nanquim e aguarela em desejado retorno a esta dialéctica entre ou isto ou aquilo. Queremos oferecer estas palavras, em permanente jogo, aos mais novos e aos mais velhos e a perguntar-lhes se não “é uma pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares (...) mas não consegui entender ainda qual é melhor se é isto ou aquilo?”

José Caldas